A História do
Homem-Aranha nos quadrinhos - Parte 01

O Homem-Aranha no icônico traço de John Romita.
O Homem-Aranha está sempre em evidência: suas histórias estão
sempre entre as de maior sucesso; sua trilogia no cinema está inteira no Top 10 das maiores bilheterias de filmes de super-heróis,
ocupando a segunda, terceira e quarta posições; e uma nova série de filmes irá começar,
estreando em 2012. Nos quadrinhos, sua casa original, o
“amigão da vizinhança” também sempre foi sucesso e evidência e sua trajetória
nesta mídia serve de parâmetro para toda a indústria dos comics. Criação Polêmica. Em meio às dezenas
de novos personagens, heróis e vilões saídos da mente de Stan Lee e ocupando as revistas Fantastic Four,
Hulk, Thor, Tales of Suspense, Tales to Astonish, Strange Tales, Amazing Adult
Fantasy e várias outras publicadas pela Marvel Comics em 1962, o Homem-Aranha foi um grande destaque.

A capa de "Amazing Fantasy 15", de 1962,
com a primeira aparição do Homem-Aranha. Arte de Jack Kirby.
A idéia original para a criação
partiu de Lee. Ele concebeu um novo personagem que fosse diferente dos demais: mais
humanizado, uma pessoa normal, com problemas comuns como falta de dinheiro, problemas familiares, só que em meio a
tudo isso, tivesse superpoderes e combatesse o crime. E também não fosse um
cara popular, mas perseguido no colégio, sem sorte com as mulheres, não fosse
extremamente bonito nem musculoso. Por fim, o fato de ser um adolescente também era uma
novidade, afinal, os heróis eram sem exceção pessoas adultas. Os adolescentes
eram apenas sidekicks ou “parceiros mirins“, como aqueles da concorrente DC Comics (Robin, Kid Flash,
Moça-Maravilha etc.). Pronto, o maior filão do personagem estava estabelecido.
Depois, decidiu que o personagem devia se chamar Homem-Aranha e
tivesse os poderes relativos a uma aranha: escalava paredes, poderia levantar
dezenas de vezes o próprio peso e teria grande agilidade. Mas desde o início, o
personagem enfrentou problemas para ser lançado. O dono da Marvel, Martin
Goldman, não gostou da nova idéia, pois as aranhas são animais terríveis
que as pessoas detestam e isso iria influenciar o gosto delas pela personagem.
Porém, Lee conseguiu uma chance (afinal tinha emplacado várias revistas de boa
vendagem): poderia lançar essa nova criação em uma revista que estava com a
data de cancelamento marcada: Amazing
Fantasy, que
publicava histórias de fantasia e estava com baixas vendas. Para desenhar e
desenvolver o seu novo personagem, Lee contatou o companheiro Jack Kriby, seu parceiro na
criação de Quarteto Fantástico,
Thor e Hulk, e Kirby começou a desenhar a história, um conto
previsto para ter apenas oito
páginas.

Steve Ditko também fez uma versão para a capa de
"Amazing Fantasy 15", mas ela não foi publicada.
Existe muita controvérsia sobre quem fez o que
no momento da criação. O certo é que ao examinar as primeiras páginas
desenhadas por Kirby, Lee não
gostou do que viu: o Homem-Aranha estava musculoso demais e a
história escrita pelo desenhista fugia do propósito original. Alguns dizem que se
tratava de uma ficção científica nos moldes do Lanterna Verde da DC. Por sua vez, Kirby se baseou em outros
dois personagens que havia criado anos antes, chamados The Silver Spider e The Fly, de onde retirou características
como os poderes relacionados a insetos e até a história de um órfão criado por
um casal de tios idosos. Lee queria modificar o material, todavia, naquela
altura, Kirby não podia mais voltar atrás, afinal, já desenhava outros títulos
e não tinha mais tempo para desenhar a história antes da última edição de Amazing
Fantasy. Então, Lee repassou o trabalho para outro desenhista: Steve Ditko.

Auto-retrato de Steve Ditko nos anos 1960.
Os fãs disputam quem criou o uniforme do Homem-Aranha, se
Ditko ou Kirby. O primeiro afirmou que o uniforme criado por Kirby era uma
malha tradicional de super-herói, inclusive com botas de bucaneiro (uma de suas marcas) e capa, além de usar
uma pistola. Ditko disse que criou o uniforme expressivo do personagem, mas
a dúvida permanece, já que a capa da primeira revista com a
aparição do Homem-Aranha foi feita por Kirby, com o herói segurando um bandido
nos braços enquanto se balança em sua teia. Além disso, nas poucas vezes em que
desenhou o aracnídeo, Kirby fazia o uniforme com algumas distinções: no traço
original de Ditko as teias desenhadas no peito deixavam um quadrado em aberto dentro do qual se
localizava o símbolo da aranha negra, enquanto na versão de Kirby a aranha está
por cima das teias como se desenha até hoje; os olhos da máscara do herói
também eram ligeiramente diferentes. De qualquer forma, o Homem-Aranha teve a
sua primeira história publicada na revista Amazing Fantasy 15, de agosto de 1962, a última edição dessa revista. Ironicamente, essa foi a
revista da Marvel que mais vendeu naquele ano. E a criação do personagem é
creditada tradicionalmente a Lee e Ditko apenas.

Lee e Ditko criaram Peter Parker como um nerd que
sofre “bullying” na escola. Flash Thompson e Liz Allen à esquerda (a morena é
Sally).
Naquela primeira história, o
jovem estudante colegial Peter
Parker é picado por uma aranha que, acidentalmente, foi bombardeada
por radioatividade, durante
uma exposição de ciências. Com o passar do tempo, o jovem passa a desenvolver
as habilidades de uma aranha verdadeira:
possui superforça, dá enormes saltos e pode escalar as paredes, além de ter um
sexto sentido que lhe alerta dos perigos. Empolgado com as novas habilidades,
cria a identidade de Homem-Aranha e passa a se apresentar em programas de TV como uma
sensação. O sucesso é imediato. Num dia, porém, ele deixa escapar da
emissora um ladrão que
a assaltou, por dizer que o problema não era dele. Pouco depois, seu tio Ben Parker, que o criou como se fosse
um filho, é assassinado pelo mesmo ladrão que ele havia deixado fugir. Daí, ele
se lembra da máxima do tio: “com
grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Então, passa a se
dedicar ao combate ao crime, enquanto cuida de manter sua identidade secreta,
para poupar a sua Tia May,
viúva de Ben, que é toda a família que lhe resta. Além disso, ela é doente do coração e qualquer
choque lhe pode ser fatal. A história curta de oito páginas em que isso ocorre
tornou-se um grande sucesso.
Amazing Fantasy tem data de capa de agosto de 1962, então, demorou alguns meses para
Stan Lee perceber o sucesso que ela havia sido. Quando chegaram os relatórios
de vendas, ficou evidente que era necessário criar mais histórias do jovem
aracnídeo. E Lee decidiu fazer isso em grande estilo: criando uma revista própria para ele. Mas a
Marvel era uma editora pequena e não tinha uma distribuidora própria, tendo,
portanto, um limite de alguns títulos mensais. Por isso, a revista The Incredible Hulk foi
cancelada em seu sexto número para dar lugar à casa do escalador de paredes.
Com isso, The Amazing
Spider-Man 01, chegava às bancas com data de capa de março de 1963, sete meses após sua estréia.
Para não ter uma surpresa
desagradável, Lee não arriscou e, na capa da nova revista, colocou o Quarteto Fantástico fazendo uma
participação especial, para que os leitores deles se interessassem também pela
nova e as vendas aumentassem.

Ditko criou o visual de quase todos os vilões
clássicos do Homem-Aranha.
A primeira fase do Homem-Aranha foi dedicada a criar seu
universo ficcional e um dos períodos mais profícuos do personagem, cheio de
momentos clássicos. A influência desse trabalho em outros artistas
(contemporâneos e futuros) também foi enorme. A dupla Stan Lee e Steve Ditko
escreveu as primeiras 38 edições da
revista Amazing Spider-Man, publicadas entre março de 1963 e maio
de 1966, mais duas edições
anuais (em 1965 e 1966, respectivamente).
Boa parte dessas histórias
apresentou as primeiras aparições dos grandes vilões do Homem-Aranha: Camaleão, Consertador, Abutre, Dr. Octopus,
Lagarto, Electro (numa aventura que traz de brinde um confronto
entre o Aranha e o Tocha Humana), Mysterio,
Duende Verde, Kraven e Homem-Areia,
sem contar os confrontos com vilões da Marvel que já existiam, como Dr. Destino (o arquiinimigo do
Quarteto Fantástico, que fez outra participação especial), Cabeça de Ovo e
o Circo do Crime (este
em uma aventura conjunta com o recém-criado Demolidor). Tudo isso somente nas 18 primeiras edições de Amazing
Spider-Man. Depois, outros vilões clássicos continuariam a surgir
como Escorpião, Magma, Smithy e os
Esmaga-Aranha etc.

O Abutre era outro vilão bastante recorrente.
Outros personagens incluídos
nessa época foram: o eterno antagonista John Jonah Jameson Jr,
editor-chefe do Clarim Diário,
que destila veneno contra o balançador de teias em seus editoriais; Betty Brant, a primeira namorada de
Peter Parker, mais velha, era a secretária de Jameson; Flash
Thompson, o galã do colégio Middletown onde Peter estuda e é o cara que
inferniza a sua vida, ao mesmo tempo em que é o maior fã do herói aracnídeo;
e Lizz Allen, a musa do
colegial, namorada de Thompson e que depois se interessaria por Parker. Vale
lembrar que Peter passa a fotografar o Homem-Aranha (ou seja, a si mesmo) para
ganhar dinheiro e ajudar sua Tia May e sempre acaba vendendo as fotos para
Jameson, no Clarim Diário. É no Clarim onde ele também encontra seu rival pelo
amor de Betty: o repórter especial enviado à Europa Ned Leeds. Entre 1964 e 1966, o Duende Verde se notabiliza como o
principal inimigo do Aranha, sendo o “campeão” absoluto de aparições: cinco confrontos nos 40
primeiros números – sendo que vários deles se estenderam por duas edições
seguidas. Parte do apelo do personagem era que, ao contrário de todos os outros
vilões, que tinham suas histórias detalhadas, ninguém sabia nada sobre o Duende
Verde: sua identidade era secreta.
Lee e Ditko viviam provocando os leitores com cenas em que o criminoso tirava a
máscara nas sombras e não se podia ver seu rosto. Além disso, o constante
envolvimento do Duende com o crime organizado – seu objetivo era controlar as
quadrilhas de Nova York – alimentavam o gosto por histórias policiais e de
mistério de Ditko, possibilitando que as aparições do vilão, não raro, eram
algumas daquelas que tinham as melhores tramas.

O Sexteto Sinistro surge em "Amazing
Spider-Man Annual 01", de 1964.
Curiosamente, apesar de sua
popularidade, o Duende Verde não fez parte do Sexteto Sinistro, grupo que reuniu os “principais vilões” do
Aranha: Dr. Octopus, Homem-Areia, Abutre, Mysterio, Kraven e Electro; reunidos
pelo primeiro para derrotar o Aranha de uma vez por todas. Na história
publicada em Amazing Spider-Man
Annual 01, em 1965,
o aracnídeo luta com cada um separadamente e vence todos. O Dr. Octopus era o
“segundo” pior vilão e é protagonista daquela que é considerada uma das mais
clássicas histórias do Homem-Aranha. Em Amazing Spider-Man 33, o vilão rouba um isótopo radioativo que
é a única cura para uma rara doença que acomete a Tia May; obrigando o
Homem-Aranha a persegui-lo loucamente. No fim das contas, o herói termina soterrado sob toneladas de metal
e água, mas reúne todas as suas forças para erguê-las e tentar salvar sua tia.
A dramacidade dos diálogos de Lee e dos desenhos de Ditko criaram um grande
momento. Conta a lenda que, quando Lee viu os desenhos de Ditko pela primeira
vez, teria lhe dito: “você acaba de criar a mais famosa sequência de quadrinhos
da história”.

A capa de "Amazing Spider-Man 33" e a
primeira parte da sequência...


Harry Osborn e Gwen Stacy unem-se a Flash Thompson:
mudanças no elenco por Steve Ditko e Stan Lee.
Não muito depois disso, essa
primeira fase se encerrou por dois fatos marcantes: um cronológico e outro
editorial. No campo cronológico, Peter Parker encerra o colegial e adentra na (fictícia) Universidade Empire State, juntamente
com seu “rival” Flash Thompson, deixando personagens como Liz Allen de lado em
favor dos novos colegas Harry
Osborn e Gwen Stacy.
Além disso, Lee apresenta um Parker ligeiramente mais maduro, mais
autoconfiante, o que se reflete na sua relação com as mulheres. Primeiramente,
houve uma cômica rivalidade entre Betty Brant (a mulher mais velha,
responsável, independente) e Liz Allen (a musa do colegial). Embora Peter
Parker estivesse namorando firme Betty, sempre sofria “investidas” da segunda,
o que lhe colocava em apuros no seu namoro.
Depois, a situação ainda ficaria
mais complicada. Com o fim do colegial e a entrada na faculdade, Liz Allen
sumiu do mapa, mas Parker se viu envolvido com outras garotas. Mas aí já é
outra fase…
O Duende Verde combate o Mestre do Crime na arte de
Steve Ditko: disputas pela identidade do vilão.
O motivo editorial que encerra
essa primeira fase é o confronto
“final” entre o Homem-Aranha e o Duende Verde. Ao iniciar o ano
de 1966, as discordâncias
entre Lee e Ditko começaram a aumentar. Além disso, a editora Charlton fez a Ditko uma oferta
irrecusável, de criar seus próprios personagens e desenvolvê-los. Ele aceitou a
proposta e ainda naquele ano estreou as novas versões do Besouro Azul e do Capitão Átomo (heróis
criados nos anos 1940) e um herói novo: o Questão. Apesar do sucesso inicial, depois houve uma queda nas
vendas. A Charlton, por sua vez, seria comprada pela DC Comics nos anos 1970 e seus
personagens (Besouro Azul, Capitão Átomo, Starman, Questão etc.) incorporados ao seu universo. O Besouro
Azul, por exemplo, entre as décadas de 1980 e 90 ficaria mais ou menos
conhecido por atuar na Liga da
Justiça, durante várias fases seguidas. Além disso, os personagens da
Charlton inspiraram a obra Watchmen de Alan Moore, de modo que o Coruja é o Besouro Azul, Dr. Manhattan é o Capitão Átomo
e Rorschach é o
Questão.
Voltando aos anos 1960, Lee e
Ditko há tempos discutiam quem
seria o Duende Verde. Isso mesmo: os próprios autores não tinham
definido a identidade do vilão,
jogando para o leitor inúmeros suspeitos, o principal deles era Frederick Foswell, que já havia
agido como o Chefão do Crime ou Maioral (de
acordo com a tradução do original The Big One) e que, supostamente, havia se
regenerado e trabalhava como repórter policial no Clarim Diário. Outro
suspeito, pelo menos na cabeça da dupla produtora, era o também repórter do
Clarim Ned Leeds, “rival”
de Peter pela mão de Betty Brant. A identidade do Duende Verde é apontada pelos
historiadores como o principal ponto da ruptura entre Lee e Ditko. Alguns
afirmam que o desenhista preferia Leeds, enquanto outros dizem que o artista
defendia que o vilão fosse uma
pessoa desconhecida, pois assim era o “mundo real”. (De qualquer modo,
essa estratégia foi usada anteriormente com o Mestre do Crime, um mascarado rival do Duende Verde, que ao ter
sua máscara retirada é um total desconhecido do público e dos outros
personagens).
Norman Osborn e seu filho Harry por Steve Ditko.
Como Ditko nunca teceu comentários precisos sobre o tema, já que tem uma
vida totalmente reclusa, e Lee em suas abundantes entrevistas só trata do tema
de forma evasiva, não se sabe ao certo o que ocorreu. O fato é que Amazing Spider-Man 38, de
1966, é a última edição assinada pela dupla. Nela, enquanto o Homem-Aranha
confronta um novo vilão, o Destruidor,
vemos o empresário Norman Osborn,
pai de Harry Osborn, colega de Peter na universidade, contratando um grupo de
criminosos para “pegar” o Homem-Aranha. Embora, Harry já tivesse aparecido
vários meses antes, Norman surgira na edição
anterior, a de n.º 37, quando o Aranha tem que salvá-lo das mãos
do Dr. Mendell Stromm, o Mestre
dos Robôs, um ex-sócio de Osborn. Este havia “passado a perna” em
Stromm para ficar com a empresa para si, levando-o à prisão por sonegação
fiscal. Agora, Stroll estava livre e disposto a se vingar. Mas, no fim da
história, enquanto o escalador de paredes confronta Stromm, misteriosamente,
alguém dispara uma arma e mata o vilão. Na edição seguinte, a 38, fica
subtendido que Osborn fez isso. Ditko, então, encerra sua passagem no Homem-Aranha,
embora Stan Lee ainda tenha continuado a escrever as histórias por muitos anos.
Ditko, além da rápida (mas marcante) passagem na Charlton, iria para a DC Comics, em 1968, onde criaria novos heróis, como
o Rastejante,a dupla Rapina e Columba e só regressaria
à Marvel no fim dos anos 1970. Enquanto isso, o destino reservava ainda mais
glória ao personagem de Norman Osborn.
A icônica primeira capa de John Romita: o Duende
Verde descobre a identidade do Homem-Aranha em "Amazing Spider-Man
39", de 1966.
A edição Amazing Spider-Man 39 chegou
às bancas em agosto de 1966 e trouxe um grande estardalhaço por dois motivos:
em primeiro lugar, uma icônica capa em que o Duende Verde aparece em seu jato
carregando um Peter Parker amarrado, com as roupas civis rasgadas revelando seu uniforme; em segundo,
pela mudança do desenhista da revista e o crédito ocupado por John Romita, uma futura lenda, mas no
momento, um mero desconhecido. A trama da revista era tão bombástica como a
capa: o Duende Verde contrata uma série de bandidos para emboscar o
Homem-Aranha, jogando uma bomba nele; o explosivo gera fumaça e nenhum efeito;
bandidos presos, o herói sai e vai a um beco trocar de roupas; o leitor fica
sabendo que o composto neutralizou
o famoso “sentido de aranha” que alerta Peter Parker quando há um
perigo eminente, e por isso, do alto de seu jato, o bandido acompanha o herói
tirar a máscara e entrar no prédio do Clarim Diário; por meio de microfones de
alta precisão, descobre que o nome do garoto é Peter Parker; pronto, temos o
primeiro entre todos os vilões a
descobrir a identidade secreta do Homem-Aranha.
Peter Parker e Norman Osborn frente a frente pela
primeira vez. Arte de John Romita.
E não termina aí. O Duende o
segue até sua casa e, chegando lá, se revela e o derrota facilmente. Levando-o
a um esconderijo e prestes a matá-lo o Duende é contaminado por um sentimento
de autoconfiança exagerada e termina revelando a sua própria identidade: Norman Osborn. O problema é
que Parker o conhece: ele é o pai de seu colega de faculdade, Harry Osborn. Uma
tragédia se anuncia e a edição termina. No número seguinte, conhecemos a origem de Osborn, como ele
descobriu uma fórmula de Stromm e, ao tentar produzi-la, explodiu em seu rosto,
tornando-o mais inteligente, mais forte e mais louco. Um selvagem confronto
entre os dois se estabelece e Osborn termina eletrocutado, de maneira que sofre
de amnésia e esquece
que foi o Duende Verde.
As duas edições compõem não
somente a estréia da nova dupla, Stan Lee e John Romita, como é um dos marcos mais importantes da
cronologia do Homem-Aranha. Mas nem tudo eram flores. Os leitores da Marvel reagiram
furiosamente à saída de Ditko e demorou algum tempo para Romita ser aceito,
embora seu traço clássico, charmoso e bonito já destacasse desde o início.
Descendente de italianos, John
Romita tinha 36 anos quando
assumiu a revista do Homem-Aranha. Apesar de jovem, já era um experiente
desenhista no mercado de quadrinhos. Iniciou a carreira nos anos 1950, fazendo
cartuns de publicidade e a estréia nas HQ se deu em 1953, quando desenhou o
retorno mal-sucedido do Capitão
América, numa série de histórias escritas por Stan Lee. Romita, no
entanto, continuou trabalhando para várias editoras, particularmente em romances adolescentes. Em fins de
1964, voltou aos super-heróis, tornando-se o desenhista da revista do Demolidor. O trabalho gráfico de
Romita agradava imensamente Stan Lee, o que lhe colocou como escolha única para
substituir Ditko, quando este se desligou da Marvel. Porém, o traço de Romita
era totalmente diferente do de Ditko, o que lhe causou problemas, no início,
com os fãs da revista. Entretanto, a arte dinâmica e precisa, junto com o
carisma que impregnava aos personagens logo o tornaria o maior de todos os desenhistas pelos
quais o Homem-Aranha foi desenhado.A longa fase em que Romita desenhou o Aranha
coincidiu com o período em que a revista Amazing Spider-Man se
tornou o maior sucesso de vendas da
Marvel, destronando a – até então imbatível – Fantastic Four.
A sequência em que Peter Parker...
... encontra Mary Jane Watson pela primeira vez. A
arte de Romita valoriza os traços femininos.
Nesta fase, Parker estava na
faculdade e, inicialmente, ficava dividido entre três mulheres (um exagero para época!): a antiga
namorada Betty Brant, a
colega de faculdade Gwen Stacy e
(a sobrinha da amiga de sua tia) Mary
Jane Watson. Esta personagem já havia sido “sugerida” diversas vezes ao
longo do tempo, quando a Tia May e sua vizinha, Anna Watson, tentavam arranjar um encontro entre os dois
sobrinhos. Mas apesar da “presença física”, nunca se mostrava o rosto da
garota, como maneira de manter o mistério. Parker, por algum motivo, pensava
que ela era muito feia. Mas em um momento histórico, em Amazing Spider-Man 42, John Romita
finalmente revelou sua aparência, como uma belíssima garota ruiva, a “mulher
mais bela” que Peter já havia visto na época.
Romita também deu outro tipo de beleza a Gwen
Stacy, que se tornou a nova namorada de Peter Parker.
Com essa introdução, a dinâmica
interna das histórias do Homem-Aranha mudaram bastante. As desventuras de Peter
Parker se tornaram tão interessantes quanto as do Homem-Aranha. Ajudado pelo
belo traço de Romita, a convivência do rapaz com duas jovens meninas, Gwen
Stacy e Mary Jane Watson, e a maneira como elas se provocavam e disputavam a
atenção do rapaz eram hilariantes e mais próxima dos “novos tempos” dos anos 1960. Sob o traço de Romita, os personagens
interagiam muito mais com a sua época: apolítica,
os movimentos estudantis, o novo comportamento da juventude e até
as drogas passaram
pelas páginas da revista. Para simbolizar a recém-adquirida independência da
juventude em âmbito global, Peter Parker finalmente deixava de morar sob o teto de sua Tia May, em Forrest Hills,
no subúrbio de Queens, para ir dividir um apartamento com Harry Osborn em Manhattan, mais próximo da
principal área de atuação do Homem-Aranha. Outro elemento desse mesmo aspecto
estava quanto ao comportamento das personagens femininas. Mary Jane era o
protótipo na “nova garota”: liberal
e extrovertida. Foi com ela que Parker inicialmente se envolveu, mas os
seus “sumiços” terminaram por impossibilitar um romance. Com o tempo, Peter se
ligaria à doce Gwen Stacy, enquanto Mary Jane ficaria com Harry, numa legítima
“troca de casais”! Já Gwen, apesar de mais meiga e contida do que Mary Jane,
também mostrava possuir atitude, lutando pelo coração de Peter até conseguir
namorá-lo.
O "trio maravilha", MJ, Peter e Gwen:
anos 1960 na pauta.
Falaremos das drogas mais tarde,
mas a política também se tornou uma constante nas histórias, particularmente,
nas cenas envolvendo o campus universitário. Os direitos civis também invadiram
este universo, e Lee e Romita criaram um “núcleo afrodescedente” pela primeira vez em uma revista de
primeira linha. Incluíram o personagem Joe “Robie” Robertson como Editor de Cidades do Clarim
Diário, como uma voz bondosa e íntegra para contrabalancear a figura irascível
(e cômica) de J. Jonah Jameson. O filho dele, Randy Robertson, também aparece, como um colega de universidade de
Peter, Gwen, Harry e MJ. E Flash Thompson, personagem que acompanha a revista
desde o início, torna-se um soldado que vai lutar no Vietnã.
O Rei do Crime surge como o novo opositor do
Aranha. Capa de "Amazing
Spider-Man 69".
Enquanto isso, isso o Aranha
continuava se envolvendo com os seus velhos inimigos e muitos outros novos
surgiam. O principal deles foi o Rei
do Crime (surgido em Amazing Spider-Man 50), que tornaria-se o maior gangster
de Nova York. A dupla Lee e Romita escreveu várias histórias tendo o novo vilão
como principal opositor do Aranha que são ótimos contos policiais, mostrando
como Wilson Fisk(o alter ego do Rei do Crime) ampliava
sua rede de poder, colecionava inimigos e, por fim, se tornava o chefe-supremo
do crime organizado. Escreveram uma espécie de trilogia sobre o maior de todos
os gangsters, mostrando sua ascensão e queda. No primeiro capítulo, a ascensão
do criminoso; no segundo, mostraram uma saga na qual o Rei do Crime e o Cabelo-de-Prata (alter ego de Silvio Manfredi, um
envelhecido chefe criminoso) disputam uma tabula ancestral que teria uma
fórmula da juventude inscrita, numa série de histórias nas quais John Buscema e Jim Mooney ajudaram Lee e Romita
nos desenhos e textos. Na terceira parte, mostraram a ascensão de um chefe
criminoso chamado Planejador que
tinha como missão destruir o reinado de Wilson Fisk. No final da trama, o Rei
acaba descobrindo que o tal chefe é na verdade o seu próprio filho, Richard Fisk, que – estudando na
Europa – descobriu que o pai era um criminoso e decidiu acabar com ele. A
descoberta leva o Rei a um estado catatônico e ao seu desaparecimento por
muitos anos.
Outro exemplo da arte icônica de John Romita: capa
de "Amazing Spider-Man 76", com a volta do Lagarto.
Lee e Romita processaram uma das
melhores fases do Homem-Aranha, emendando histórias cheias de ação com tramas
envolventes. Além do Rei do Crime, outros vilões apareceram: Rino, Shocker, Cabelo de Prata, Gatuno, o segundo Abutre e o Canguru. Os inimigos do passado
também retornavam, havendo confrontos com o Dr. Octopus, Lagarto, Duende Verde
e Electro. Merece destaque a trama em que a Tia May conhece o Dr. Octopus e pensa que
ele é um sujeito descente, chegando quase a ter uma relação amorosa.
Em 1968, Stan Lee tentou dar ao Homem-Aranha uma segunda revista,
chamada The Spectacular
Spider-Man, com um direcionamento mais adulto, com mais páginas,
capas pintadas a óleo e o miolo em preto
e branco, no formato magazine. O próprio Romita as desenhou,
mas a empreitada não surtiu os efeitos de venda esperados. Para a edição n.º 02, então, Lee mandou
colorir a história, mas as vendas não foram o esperado. Este número dois,
inclusive, trazia um dos melhores
confrontos entre o Homem-Aranha e o Duende Verde: Norman Osborn
fica sabendo por seu filho que Peter é bom em ciências e lhe oferece um
emprego, mas termina relembrando que é o Duende Verde e a tensão entre eles
aumenta em um jantar no qual estão Harry, Gwen e Mary Jane. A história foi tão
boa que ganhou, depois, uma republicação dentro
de ASM para que um maior número de leitores a conhecesse.
Capa pintada de "Spectacular Spider-Man
02": história excelente, vendas nem tanto. Mesmo assim, talvez o melhor
confronto entre o Aranha e o Duende Verde.
Aproximava-se o fim dos anos 1960
e a “inocência” dos tempos vividos se esvaía. Com isso, as tramas de Lee e
Romita começavam a se tornar mais “duras”
e os fãs iriam enfrentar uma fase de grandes choques narrativos.
Primeiramente, em Amazing Spider-Man 90, em 1970, veio a morte do
capitão de polícia George Stacy,
pai de Gwen. Durante uma luta do Aranha contra o Dr. Octopus, o capitão Stacy
salva uma criança do desabamento de um prédio, mas é soterrado. A imprensa e a
opinião pública (Gwen, inclusa) passam a culpar o aracnídeo pelo ocorrido, a
polícia – que já não gostava dele – tem mais um motivo para persegui-lo, mas
não chega a ser aberto um processo, embora ele seja oficialmente intimado a
depor.
Luta com o Dr. Octopus na estreia de Gil Kane como
desenhista do herói.
Na sequência de histórias da
morte de Stacy, John Romita cedeu, temporariamente, os desenhos para Gil Kane. Este era um artista veterano
que fizera sucesso na DC ao ser um dos criadores da nova versão do Lanterna Verde (junto ao escritor
John Broome). Kane ilustrou a revista Green Lantern de 1957 a
1969, quando se mudou para a Marvel, onde trabalhou com Hulk, Capitão Marvel e
Homem-Aranha. Na verdade, John Romita estava organizando sua saída do título
aracnídeo e Stan Lee decidiu alternar os desenhos dos dois criadores para criar
uma substituição menos traumática do que a de Ditko.
Harry Osborn sofre em uma viagem de drogas em um
painel "viajante" de Gil Kane. Abalando os quadrinhos.
Enquanto isso, nas tramas, a
morte de George Stacy provocou um abalo forte no romance com Gwen, que passa a
cobrar mais a presença de Peter, ao mesmo tempo em que vai desenvolvendo
um ódio mortal pelo
Aranha. Por fim, ela acaba abandonando Peter e indo morar com seus tios em Londres. Mary Jane passa a se
aproveitar da ausência dela para, descaradamente, “dar em cima” de Peter, o
que perturba seu
namorado Harry, que termina se envolvendo com drogas.
Capa de "Amazing Spider-Man 98", sem o
Código de Conduta dos Quadrinhos.
A Amazing Spider-Man 97, de 1971,
foi um dos momentos mais marcantes na história dos quadrinhos norte-americanos,
porque rompeu com o Código de
Ética que regulamentava o mercado e só autorizava a publicação de
edições que continham sua aprovação, o Comics Code Authority (CCA). Como a revista trazia personagens se
drogando (inclusive, um dos protagonistas – Harry Osborn), não recebeu o selo
de aprovação, não importando que a história trouxesse uma mensagem contra as
drogas. Apoiado pelo diretor Martin Goldman, Stan Lee levou a idéia à frente e
essa foi a primeira edição de super-heróis americanos a ser publicada sem a aprovação do selo desde
que este fora criado, nos anos 1950.Na trama em três partes, Norman Osborn se
lembra que é o Duende Verde e ataca o Homem-Aranha, que devolve Osborn à sua
condição “normal” mostrando o estado doente em que Harry se encontra. Enquanto
o primeiro capítulo foi desenhado por John Romita, os dois últimos foram as
primeiras edições em que Gil Kane atuou como o novo desenhista oficial do Homem-Aranha. Embora seus
personagens fossem menos “carismáticos” do que os de seu predecessor, Kane
tinha uma grande habilidade de trazer novos ângulos para seus enquadramentos, o que era um prato
cheio para mostrar o escalador de paredes em ação. O olhar dos personagens de Kane
também são muito expressivos e ele sabia explorar isso. Mas Stan Lee notou que
alguns fãs estranharam o traço um pouco mais “exótico” de Kane, de modo que,
alguns meses depois, Romita passaria a fazer a arte-final das histórias, por vezes mudando algumas coisas
para criar um ambiente mais familiar ao leitor.
Peter Parker sofre por Gwen tê-lo deixado. Os fãs
estranharam a arte exuberante de Gil Kane.
O motivo da saída de Romita do
título era que ele passara a ocupar o cargo de Diretor de Arte da Marvel, enquanto Stan Lee continuava como
Editor-Chefe. No entanto, nessa altura do campeonato, em 1971, a Marvel já não
era mais uma editora pequena, e sim, a líder absoluta do mercado de quadrinhos
nos EUA. Assim, a dupla Lee e Romita estava cada vez mais ocupada e sem tempo
para produzir as histórias do “amigão da vizinhança”, pois o primeiro cuidava
de toda a parte criativa da casa, sendo o Editor-Chefe, enquanto Romita tinha
que supervisar arte de todos os desenhistas, além de ele próprio desenhar as
capas de várias revistas e produzir a arte interna de outras, como do Hulk, do
Capitão América e dos Vingadores,
ocasionalmente. Lee, por sinal, já havia abandonado praticamente todas as
revistas em que estava envolvido. Seu desligamento começou em 1965, quando
deixou as revistas Avengers e X-Men a cargo
de seu sucessor, Roy Thomas.
Gradativamente, foi deixando as histórias do Homem-de-Ferro, Demolidor, Hulk,
Capitão América. Em 1970, Lee deixou o Quarteto Fantástico e, em 1971, o
Homem-Aranha era a única revista que ainda escrevia. Mas a Marvel estava
decidida a transformá-lo em Publisher da
editora (o mais alto cargo) e Lee teve que preparar sua saída. Sem um plano bem
definido, ele trouxe seu “sucessor oficial”, Roy Thomas para uma curta
temporada à frente de Amazing Spider-Man.
A capa de "Amazing Spider-Man 101":
Morbius e o Aranha de seis braços.
Thomas era fã de histórias de terror e criou
um arco de histórias bizarro (mas de boa qualidade), publicado entre Amazing Spider-Man 101 a 105, na
qual Peter Parker pensa em se casar com
Gwen Stacy e decide criar uma fórmula que elimine os seus poderes. Numa
“referência” ao caso do Lagarto,
o experimento termina dotando Peter de mais dois braços, ficando como um aracnídeo com seis braços.
Em seguida, ele encontra um vampiro-humano chamado
Morbius e vai atrás do Dr.
Curt Connors para curá-lo, mas este se transforma de novo no Lagarto. Enfim
curado, Peter embarca para a Terra
Selvagem e tem um confronto com Kraven em meio a dinossauros e a Kazar. No fim da história, uma homenagem a King Kong (que há época era
apenas o livro ou o filme de 1933), quando um monstro enorme se apaixona pela
“mocinha” e termina morrendo. Uma curiosidade: a saga que se inicia em Amazing Spider-Man 100 (edição
comemorativa, marca a saída de Stan Lee e entrada de Roy Thomas) é outro desafio ao Código, porque
este proibia o uso de
criaturas místicas como os Vampiros, porque se pensava que os quadrinhos de
horror eram prejudiciais às crianças e jovens. Assim, Thomas e Kane introduzem
Morbius, que é um vampiro, mas não no sentido literal da palavra: seus poderes
provem da combinação de uma doença rara com um experimento científico mal sucedido,
ou seja, não há nada de místico e por isso poderia ser publicado. Outro drible
no CCA.
Nesse meio tempo, Stan Lee é
realmente promovido a Publisher e o cargo de Editor-Chefe vai ser ocupado por Roy Thomas. Este escrevia
várias revista e precisa diminuir seu volume de trabalho para se dedicar à nova
atividade, de modo que, enquanto treina um substituto, Stan Lee volta a
escrever o Homem-Aranha por mais algumas edições. Enquanto Kane vai desenhar o Capitão América, Romita volta ao posto de desenhista, de
modo que a dupla Lee e Romita tem o seu último (e fantástico) momento, marcado
por histórias interessantes e a arte fantástica do artista em seu auge.
Capa de "Amazing Spider-Man 108": Stan
Lee e John Romita de volta, contando histórias sobre a Guerra do Vietnã.
Entre as últimas histórias da
dupla Lee e Romita estava o arco da volta de Flash Thompson do Vietnã, perseguido por uma
seita a qual teria ofendido sem querer durante a guerra e marcando a estréia da
personagem vietnamita Sha Shan,
que seria sua namorada a partir de então. Publicado em Amazing Spider-Man 108 e 109, esse empolgante drama
sempre foi apontado por Romita como a sua história favorita dentre todas que trabalhou. A partir de Amazing Spider-Man 111, os
roteiros passaram às mãos de Gerry
Conway, um jovem de 19
anos, fã de quadrinhos, que tornou-se o escritor de algumas das
revistas de maior sucesso dos Estados Unidos. Este era o assistente a quem Stan
Lee vinha treinando já há um ano para substituí-lo e o faria não apenas no
Homem-Aranha, mas em outras revistas, como no Quarteto Fantástico. Encerrava-se,
assim, em 1972, a Era Stan Lee, na qual o escritor
comandou diretamente não apenas o Homem-Aranha, mas todo o Universo Marvel. Na
verdade, embora Lee como Publisher tenha continuado muito envolvido nas
aventuras do “cabeça de teia”, o comando criativo caiu nas mãos de uma nova
geração, liderada pelo novo Editor-Chefe Roy Thomas e seu colega escritor Gerry
Conway.
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